segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Fé e História

A Igreja era contra a ciência na idade média? 


Veja mapa histórico das universidades 

medievais europeias.



Do século XII ao século XV- Mapa datado de 1911 (SHEPHERD, William R. Historical Atlas. Nova York, Henry and Holt Company), com todas as principais universidades medievais da Europa, graças ao trabalho árduo da Igreja, das escolas das catedrais e dos mosteiros, etc. Mostre o mapa quando disserem que “o homem medieval influenciado pelo catolicismo não dava importância à ciência”:

Medieval Universities Map (1)
As escolas e as universidades 
As universidades surgiram no século XII. Elas tiveram grande apoio dos papas, tanto que na Reforma eram 81 universidades. Elas começaram com as escolas das catedrais e mosteiros. Os monges não apenas transcreviam as obras grego-romanas mas também interpretavam e estudavam, e as ensinavam, sendo professores. Muitas das obras estavam para se perder naqueles séculos turbulentos pós-queda do Império Romano e as obras que chegam até nós são devidas em grande maioria aos monges.
Na Irlanda, São Patrício estimulou os estudos em mosteiros, tanto para leigos como para nobres.
 Na Inglaterra, S. Agostinho de Cantuária e seus monges abriam escolas onde estavam instalados. A mesma coisa fez S. Bonifácio, conversor da Alemanha. Muitas vezes esses monges complementavam a sua educação frequentando outras escolas monásticas. Determinados mosteiros eram conhecidos por bom ensino em determinado ramo. Os monges de São Benigno, por exemplo, ensinavam a medicina. O mosteiro de Saint Gall era mais voltado para a arte, e alguns mosteiros alemães davam aulas em grego, hebreu e árabe. O ensino ficou ainda mais aberto com as escolas das catedrais fundadas por Carlos Magno (século VIII – IX). Muitos concílios, tais como o de Châlons e Aix, incitaram a abertura de escolas. Vemos então o que falou o bispo de Orleans, Teodulfo, por essa época: 
“Nas aldeias e cidades os sacerdotes devem abrir escolas. Se algum dos fiéis lhes confiar os filhos para que aprendam letras, não devem recusar-se a instruir esses pupilos com absoluta clareza, usando de toda a caridade. Desempenharão essa tarefa sem pedir nenhum pagamento e, se receberem alguma coisa, que sejam apenas pequenos presentes oferecidos pelos pais.”


As universidades tinham um sistema interessante para com os diplomas. Uma universidade não podia conceder o diploma sem a aprovação do papa, rei ou imperador. Se este diploma era permitido pelo papa, ele era reconhecido em toda a Cristandade. Se o permissor fosse o rei, somente no país era válido. Em algumas universidades, como em Oxford, Paris e Bolonha, o título de mestre dava o direito de lecionar em qualquer lugar do mundo (ius ubique docendi). Isso ajudou ainda mais a espalhar o conhecimento.
Os estudantes universitários tiveram a concessão do benefício do clero para resolver o desentendimento entre eles e a população local. Geralmente esses estudantes e os professores eram tratados com certo desprezo. O rei Filipe Augusto no século XIII concedeu a esses alunos e professores o direito de serem julgados por um tribunal especial diferente do da cidade. Várias vezes as universidades recorriam ao apelo papal, e estes papas, tais como Bonifácio VIII, Clemente V, Clemente VI e Gregório IX ficaram ao lado dos alunos e professores, obrigando as autoridades a lhes conceder os direitos e os salários respectivos. 
As universidades em seu princípio eram carentes de edifícios próprios. Geralmente os cursos e aulas eram dadas em catedrais ou salas privadas. Os livros eram alugados e não haviam bibliotecas.
Você deve estar pensando: “As universidades eram apenas para ricos, nobres ou privilegiados socialmente!”. Errado. A maioria dos universitários da Idade Média eram de famílias pobres, com média de idade entre 14 e 20 anos. O objetivo era preparar para a profissão, assim como é hoje. Muitos escolhiam o campo do Direito. Começavam-se os estudos pelas sete artes liberais (retórica, lógica, gramática, matemática, geometria, música e astronomia) e depois passava-se ao direito civil e canônico, filosofia, medicina e teologia. Esses estudos eram feitos com base nos livros recuperados do período greco-romano (geometria de Euclides, obras de Aristóteles, medicina de Galeno, o Digesto, coleção de leis romanas e questões judiciais desta, base de todos os códigos civis atuais). Assim como as escolas monásticas, certas universidades também eram reconhecidas por um ramo específico de alto nível. Paris era famosa pelos cursos de teologia e de arte, e Bolonha pelo curso de Direito.
Tal como hoje, o universitário assistia conferências, participava de debates nas aulas e assistia aos feitos por outros. As aulas eram sobre textos importantes, principalmente dos clássicos. Além dos comentários sobre eles, o professor incluía uma série de questões que deviam ser resolvidas recorrendo à lógica. Foi assim que surgiu a argumentação e a contra-argumentação. Isso era feito da seguinte forma: o mestre designava um aluno para defender um ponto de tal questão, e outro aluno deveria defender o outro ponto. Quando o debate se encerrasse, cabia a ele resolver a questão, defini-la.
Mais impressionante: para obter o diploma em artes, o aluno devia resolver uma questão perante examinadores, expondo para isso argumentação meticulosa e racional. Esse processo levava de quatro a cinco anos (tal como os cursos atuais). Depois disso, o estudante podia terminar os estudos e lecionar em uma escola menor, ou se fazer uma pós-graduação e lecionar em uma universidade.
O estudante devia ler para receber o licença para lecionar os seguintes livros (só para ver como era complexo): Aristóteles: Física, Da geração e da corrupção, Do céu e o Parva naturalia, Da sensação e do sensível, Do sono e da vigília, Da memória e reminiscência, Da longevidade e brevidade da vida, Da metafísica. 
Além disso, livros sobre as artes liberais: gramática, lia-se Prisciano. Retórica, Aristóteles ou Tópicos de Boécio, Nova Retórica de Cícero, Metamorfose de Ovídio,  Poetria Virgilii do mesmo. Lógica: De Interpretatione (Aristóteles),Tópicos de Boécio (outros livros) e de Aristóteles, Analíticos Anteriores de Boécio também. Música e aritmética: Boécio. Geometria: Euclides, Alhacen ou Perspectiva, de Vitélio. Astronomia: Ptolomeu (Theorica Planetarum, Almagesto). Filosofia natural: outros livros de Aristóteles como Física. Do Céu, Das Propriedades dos Elementos dos Meteoros, Dos Vegetais e Plantas, Da Alma, Dos Animais. Filosofia moral: Ética ou Política de Aristóteles. Mas os mestres também faziam os textos de lógica. O mais famoso deles foi o Summulae logicales do futuro papa João XXI em 1230. Até o século XVII, esse texto já tinha alcançado 166 edições.Os mestres preferiam alunos capazes de detectar falácias lógicas e expor argumentação com bases e razão. Escolásticos escreveram livros sobre teologia e fé católica expondo raciocínio lógico complexo e sistemático, como São Tomás de Aquino em sua Suma Teológica, Santo Anselmo de Cantuária e seu Cur Deus homo, provando racionalmente a existência de Deus, Pedro Abelardo e seu Sic et non que fazia pela lógica com que seus alunos resolvessem as apenas aparentes contradições bíblicas,  etc.
É… Não é a toa que alguns diziam que a Universidade de Paris, entre outras, eram a “nova Atenas”. Depois ainda dizem que a fé era inimiga da ciência, que a Idade Média foi dominada pela Igreja que por sua vez oprimia os estudos e enchia a cabeça do povo com “superstições”. Os estudos provam justamente o contrário.
Fonte de informações: WOODS, Thomas E. Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental. Ed. Quadrante. São Paulo, 2012. 
Crédito: João Carlos Bulla

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